Adnor Pitanga

André Klotzel

Cláudio Costa Val

Lisiane Cohen

Roman Stulbach

Wagner Assis


CLÁUDIO COSTA VAL
diretor de A cartomante

Qual o seu envolvimento com Machado de Assis?
Meu envolvimento com Machado de Assis vem, de certa forma, desde os tempos de 1º grau, no colégio. Tive um professor de literatura que incentivava bastante a leitura, sobretudo, de autores brasileiros. E lá estava Machadão. Quando criança, a gente não compreende bem algumas coisas, mas me lembro que fiquei bastante impressionado com o cara. Alguns anos se passaram e eis que me deparo novamente com ele. Desta vez como leitura para o vestibular: um livro com vários de seus contos. Obviamente o li. Adorei e, de quebra, ainda passei no vestibular... Depois, por minha conta, sem qualquer imposição, vieram outras leituras de obras do Machado, principalmente o Brás Cubas, romance que me deixou alucinado de satisfação. Outros anos, então, se passaram, e quando estava a procurar alguma inspiração para um filme, o tal livro de contos “salta” da estante para as minhas mãos. Li outra vez todos aqueles deliciosos contos. Estava trabalhando com audiovisual havia pouco tempo – apenas dois anos – mas, apesar da pouca experiência na área, já alimentava a vontade de filmar em película, uma vez que só fizera vídeos. Achei pertinente desenvolver um projeto adaptado de um grande autor brasileiro, simplesmente porque, na minha concepção, seria mais fácil aprová-lo numa lei de incentivo do que um projeto criado a partir de um roteiro original. E assim o foi. Nunca havia feito um projeto para cinema (só para teatro) e, não é que o petardo A cartomante acabou sendo aprovado na Lei Roaunet? Corria aqui o ano de 1997. No ano seguinte, também aprovei o projeto na Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. A captação de recursos deu-se através deste segundo mecanismo e aí, em 1999, veio a rodagem do filme, na bitola 16 mm, que só ficaria pronto dois longos anos depois, em 2001, por falta de recursos, naturalmente (e como sempre).

Dentre tantos textos possíveis, por que você optou por adaptar A cartomante?
Buenas, quando li o livro de contos pela segunda vez, fiquei numa dúvida cruel entre dois contos: A cartomante e Uns braços. Ainda hoje, gosto demais do segundo (aliás, sigo absolutamente apaixonado pelos contos machadianos), mas acabei optando pelo primeiro, pois achei que seria mais fácil fazer uma adaptação para outra época. Uns braços pareceu-me datado. Já A cartomante permitia versões em qualquer tempo e lugar. Inicialmente, escrevi o roteiro transpondo a ação para a década de 30 do séc. XX (o conto originalmente se passa em 1869). Achava que ficaria “chique” ver aquela trama nos anos 30, uma década pela qual tenho especial interesse. Mas marinheiro de primeira viagem é, por vezes – quase sempre –, tolo: os recursos, aprovados para captação e, posteriormente, captados, não davam nem pra saída... Resultado: nova transposição da ação, desta vez para os tempos atuais. Veio, então, para mim a confirmação daquilo que todos sabem: a atemporalidade da obra. A cartomante é dos contos anedóticos de M. de A., que tem sua estrutura baseada no triângulo amoroso clássico: “A” é casado com “B”, que se torna amante de “C”, que é amigo de “A”, que acaba matando “B” e “C” por ciúmes. Nada de novo na estrutura. Mas no conteúdo, Vilela, Rita e Camilo são absolutamente sensacionais. A relação do trio, que vai num crescendo constante; depois, as cartas anônimas e a dúvida de Vilela. E o que dizer da única intervenção da cartomante na ação? Extraordinária! Uma cena lúgubre, entre ela e Camilo, cheia de suspense e humor refinado, muito diferente dos outros momentos da trama. Enfim, uma obra maiúscula, que só mesmo um grande autor pode criar.

O que norteou o trabalho de adaptação?
Li muita coisa que poderia me ajudar na adaptação, incluindo um livro que acredito ser resultado de tese, intitulado O olhar oblíquo do Bruxo. Muito bom. Shakespeare também foi fonte de inspiração, principalmente Otelo. Há, inclusive, na minha versão, um pequeno texto de Otelo na penúltima cena, proferido por Vilela, após assassinar Rita e Camilo. Mas, falando sinceramente, fazer o curta-metragem A cartomante me mostrou como é difícil adaptar um autor genial. Trabalhar com adaptações da literatura para o cinema, aliás, é de uma dificuldade ímpar. Depois deste filme, tive duas outras experiências neste sentido: um filme de média-metragem intitulado Arremate, que rodei em 35mm, adaptado do conto Fazendo a barba, de Luiz Vilela e um roteiro para curta-metragem, ainda inédito, intitulado A moça dos patins, adaptado do conto homônimo de Mário Mellilo, jovem escritor belo-horizontino. Nestas três ocasiões, a principal preocupação que percebo em mim é em relação à mobilidade da trama. Na estrutura épica, o narrador obviamente conduz a ação; na estrutura dramática, o diálogo é a própria ação. Ou seja, nas três adaptações, não uso narrador. E isso significa algumas mudanças. Muitas. A inclusão de mais personagens, por exemplo. Em A cartomante, Machadão trabalha com apenas quatro personagens: Camilo, Rita, Vilela e a cartomante, em momento único. No meu curta, criei um mordomo para Vilela, uma empregada para Camilo e um ajudante em sua floricultura. Em tempo: Camilo no original é funcionário público (algo que me soava muito parecido com alguns episódios de A vida como la é), no filme ele é dono de uma floricultura. Não me perguntem o porquê; achei apenas... “bucólico”. M. de A. introduz cartas anônimas para Vilela; as minhas cartas seguem anônimas, mas nem tanto... A relação entre o trio principal continua a mesma, mas na minha versão é Rita quem se aproxima de Camilo. Se não me engano, no original, os três encontram-se várias vezes para jogar baralho; no filme eles jogam xadrez. A cartomante de Machado é alta, magra, soturna e tal; a minha é gordinha, espalhafatosa e, pra completar, ainda canta um trecho de Carmen, de Bizet. Cheia de vida, portanto. Estas mudanças, enfim, desagradam profundamente os puristas, mas fazem parte do jogo, ora bolas! Parafraseando Eça de Queirós “o desacato é condição do progresso; quem respeita decai”. Ok, que me desculpe o Eça, concordo em parte, mas não é bem assim. Sobretudo para um diretor iniciante, sem muito traquejo na coisa, como era eu à época. No final das contas, acho que o que tentei no filme foi, na verdade, transmitir um pouco da admiração que sinto por um dos maiores autores da língua portuguesa, assumindo os possíveis erros e acertos que empreitadas loucas como esta exigem dos que se metem nessa maluquice chamada cinema. E de baixíssimo orçamento.