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CLÁUDIO COSTA VAL
diretor de A cartomante
Qual o seu envolvimento com Machado de Assis?
Meu envolvimento com Machado de Assis vem, de certa forma, desde os
tempos de 1º grau, no colégio. Tive um professor de literatura
que incentivava bastante a leitura, sobretudo, de autores brasileiros.
E lá estava Machadão. Quando criança, a gente não
compreende bem algumas coisas, mas me lembro que fiquei bastante impressionado
com o cara. Alguns anos se passaram e eis que me deparo novamente com
ele. Desta vez como leitura para o vestibular: um livro com vários
de seus contos. Obviamente o li. Adorei e, de quebra, ainda passei no
vestibular... Depois, por minha conta, sem qualquer imposição,
vieram outras leituras de obras do Machado, principalmente o Brás
Cubas, romance que me deixou alucinado de satisfação.
Outros anos, então, se passaram, e quando estava a procurar alguma
inspiração para um filme, o tal livro de contos “salta”
da estante para as minhas mãos. Li outra vez todos aqueles deliciosos
contos. Estava trabalhando com audiovisual havia pouco tempo –
apenas dois anos – mas, apesar da pouca experiência na área,
já alimentava a vontade de filmar em película, uma vez
que só fizera vídeos. Achei pertinente desenvolver um
projeto adaptado de um grande autor brasileiro, simplesmente porque,
na minha concepção, seria mais fácil aprová-lo
numa lei de incentivo do que um projeto criado a partir de um roteiro
original. E assim o foi. Nunca havia feito um projeto para cinema (só
para teatro) e, não é que o petardo A cartomante acabou
sendo aprovado na Lei Roaunet? Corria aqui o ano de 1997. No ano seguinte,
também aprovei o projeto na Lei Municipal de Incentivo à
Cultura de Belo Horizonte. A captação de recursos deu-se
através deste segundo mecanismo e aí, em 1999, veio a
rodagem do filme, na bitola 16 mm, que só ficaria pronto dois
longos anos depois, em 2001, por falta de recursos, naturalmente (e
como sempre).
Dentre tantos textos possíveis, por que você
optou por adaptar A cartomante?
Buenas, quando li o livro de contos pela segunda vez, fiquei numa dúvida
cruel entre dois contos: A cartomante e Uns braços. Ainda hoje,
gosto demais do segundo (aliás, sigo absolutamente apaixonado
pelos contos machadianos), mas acabei optando pelo primeiro, pois achei
que seria mais fácil fazer uma adaptação para outra
época. Uns braços pareceu-me datado. Já A cartomante
permitia versões em qualquer tempo e lugar. Inicialmente, escrevi
o roteiro transpondo a ação para a década de 30
do séc. XX (o conto originalmente se passa em 1869). Achava que
ficaria “chique” ver aquela trama nos anos 30, uma década
pela qual tenho especial interesse. Mas marinheiro de primeira viagem
é, por vezes – quase sempre –, tolo: os recursos,
aprovados para captação e, posteriormente, captados, não
davam nem pra saída... Resultado: nova transposição
da ação, desta vez para os tempos atuais. Veio, então,
para mim a confirmação daquilo que todos sabem: a atemporalidade
da obra. A cartomante é dos contos anedóticos de M. de
A., que tem sua estrutura baseada no triângulo amoroso clássico:
“A” é casado com “B”, que se torna amante
de “C”, que é amigo de “A”, que acaba
matando “B” e “C” por ciúmes. Nada de
novo na estrutura. Mas no conteúdo, Vilela, Rita e Camilo são
absolutamente sensacionais. A relação do trio, que vai
num crescendo constante; depois, as cartas anônimas e a dúvida
de Vilela. E o que dizer da única intervenção da
cartomante na ação? Extraordinária! Uma cena lúgubre,
entre ela e Camilo, cheia de suspense e humor refinado, muito diferente
dos outros momentos da trama. Enfim, uma obra maiúscula, que
só mesmo um grande autor pode criar.
O que norteou o trabalho de adaptação?
Li muita coisa que poderia me ajudar na adaptação, incluindo
um livro que acredito ser resultado de tese, intitulado O olhar oblíquo
do Bruxo. Muito bom. Shakespeare também foi fonte de inspiração,
principalmente Otelo. Há, inclusive, na minha versão,
um pequeno texto de Otelo na penúltima cena, proferido por Vilela,
após assassinar Rita e Camilo. Mas, falando sinceramente, fazer
o curta-metragem A cartomante me mostrou como é difícil
adaptar um autor genial. Trabalhar com adaptações da literatura
para o cinema, aliás, é de uma dificuldade ímpar.
Depois deste filme, tive duas outras experiências neste sentido:
um filme de média-metragem intitulado Arremate, que rodei em
35mm, adaptado do conto Fazendo a barba, de Luiz Vilela e um roteiro
para curta-metragem, ainda inédito, intitulado A moça
dos patins, adaptado do conto homônimo de Mário Mellilo,
jovem escritor belo-horizontino. Nestas três ocasiões,
a principal preocupação que percebo em mim é em
relação à mobilidade da trama. Na estrutura épica,
o narrador obviamente conduz a ação; na estrutura dramática,
o diálogo é a própria ação. Ou seja,
nas três adaptações, não uso narrador. E
isso significa algumas mudanças. Muitas. A inclusão de
mais personagens, por exemplo. Em A cartomante, Machadão trabalha
com apenas quatro personagens: Camilo, Rita, Vilela e a cartomante,
em momento único. No meu curta, criei um mordomo para Vilela,
uma empregada para Camilo e um ajudante em sua floricultura. Em tempo:
Camilo no original é funcionário público (algo
que me soava muito parecido com alguns episódios de A vida como
la é), no filme ele é dono de uma floricultura. Não
me perguntem o porquê; achei apenas... “bucólico”.
M. de A. introduz cartas anônimas para Vilela; as minhas cartas
seguem anônimas, mas nem tanto... A relação entre
o trio principal continua a mesma, mas na minha versão é
Rita quem se aproxima de Camilo. Se não me engano, no original,
os três encontram-se várias vezes para jogar baralho; no
filme eles jogam xadrez. A cartomante de Machado é alta, magra,
soturna e tal; a minha é gordinha, espalhafatosa e, pra completar,
ainda canta um trecho de Carmen, de Bizet. Cheia de vida, portanto.
Estas mudanças, enfim, desagradam profundamente os puristas,
mas fazem parte do jogo, ora bolas! Parafraseando Eça de Queirós
“o desacato é condição do progresso; quem
respeita decai”. Ok, que me desculpe o Eça, concordo em
parte, mas não é bem assim. Sobretudo para um diretor
iniciante, sem muito traquejo na coisa, como era eu à época.
No final das contas, acho que o que tentei no filme foi, na verdade,
transmitir um pouco da admiração que sinto por um dos
maiores autores da língua portuguesa, assumindo os possíveis
erros e acertos que empreitadas loucas como esta exigem dos que se metem
nessa maluquice chamada cinema. E de baixíssimo orçamento.
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